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segunda-feira, 22 de março de 2021

Relação afetiva, assunto de berçário


Reconhecer a importância do vínculo afetivo do bebê com a mãe e familiares
 é fundamental no trabalho do educador.

 M. Clotilde Rossetti-Ferreira
Caroline F. Eltink

Margarida chega na creche. Dirce também. Margarida está cansada. Dirce também. Lado a lado, vão em busca dos filhos na turma do Saci Pererê. O caminho até o berçário é longo. Margarida olha para Dirce. Dirce olha para Margarida. Margarida sorri. Mas sorri amarelo...
¾     Credo, Dirce. Parece que viu assombração.
¾     É que estou preocupada, sabe?
¾     Ih, menina... que foi, Dirce do céu?
¾     Faz três meses que a Laís vem na creche... No começo parece que tudo ia bem. Só que agora ela começou a chorar muito. Ai... ta tão difícil de deixar ela aqui.
¾     O meu Otávio ta ótimo. Sabe, eu achei que ele fosse dar mais trabalho pra acostumar! Juro por Deus.
¾     Mas o que eu acho gozado é que a menina não era assim, e agora não quer me deixar sair de perto, não quer saber de ficar com a Clara na creche...
¾     Vai ver tem alguma coisa errada...
¾     Eu sei que ela não tem nada, não ta doente! Ai Margarida... eu fico até pensando se não era melhor ter deixado com a minha mãe.
¾     A Clara disse alguma coisa? Assim... se fica chorando... Essas coisas... precisa ver direito, hein, Dirce!
¾     Eu já falei com ela, mas ela disse que não. Depois que eu vou embora, fica um tempinho chorando, mas depois passa. E parece que passa mesmo, porque quando eu volto, a Laís choraminga, mas não ta com cara de quem chorou o dia todo, não.
¾     Sabe que no começo eu também ficava na dúvida? Fica com a minha mãe, fica na creche. Na minha mãe, na creche. Ah, mas o Otávio ta tão bem aqui...
Da janela, Clara, a educadora, acena.
¾     Oi! Chegaram mais cedo. Entrem. Tô terminando de trocar o Otávio. Você quer terminar? – pergunta Clara para Margarida.
Margarida termina a troca. A educadora chama Dirce para um canto. Pergunta se aconteceu alguma coisa em casa, se a filha ficou doente. Comenta que a menina deve estar sentindo falta da mãe.
¾     Ela sempre aponta pra porta. Como se quisesse ir embora.
¾     Ai... a minha Laís...
Atenta, a educadora ouviu a preocupação de Dirce. Logo veio Margarida e ficaram as três ali, no meio do berçário, procurando entender o que acontecia com Laís. Antes era um bebê tão tranqüilo, aceitava o colo de qualquer pessoa e agora “estranha”, chora quando a mãe sai de perto e parece que não quer saber do consolo de ninguém!
Pois é, ela não regrediu, como supõem algumas mães e educadoras: ao contrário, está se desenvolvendo. Ela construiu uma relação, ou seja, agora discrimina as pessoas com quem interage e por isso reage de maneira diferente com pessoas mais conhecidas e desconhecidas.
Em psicologia, essa primeira relação afetiva é chamada de apego. É a primeira relação estável que um ser humano estabelece, em geral  com a mãe. Mas, apesar de a mãe geralmente ser a primeira figura, o bebê tem capacidade para estabelecer outras relações afetivas, ampliando sua rede de relações ao longo de sua vida, como por exemplo, pais, avós, tios, babás, educadores etc. É claro que o número de pessoas com quem a criança estabelece apego pode variar conforme a cultura e, particularmente, conforme a forma de organização e os costumes do grupo familiar.
Mas quanto tempo leva a construção inicial dessa relação por parte da criança? Quando é possível dizer que a criança está apegada a esta ou aquela pessoa? Varia de criança para a criança, conforme o contexto em que vive e as interações que ela estabelece com a mãe e outros familiares e conhecidos. De maneira geral, em torno dos seis meses de idade, e mais claramente depois de oito meses, já se notam sinais claros de que a criança está apegada; mesmo antes de engatinhar, ela se orienta preferencialmente para a mãe ou outra figura de apego, sorri e se comunica mais com ela, busca sua proximidade, é para ela que levanta os bracinhos... No seu colo ela sossega, mesmo quando está desconfortável ou doente; se uma pessoa estranha se aproxima, ela se refugia “nas saias da mãe” e, desse “porto seguro”, olha de “rabo de olho” para o estranho ou para a situação desconhecida. Ela lhe serve de apoio para explorar o mundo. E em sua ausência mostra se menos animada, mais quietinha e “bem comportada”. Mais por medo do que por bom comportamento!
Bowlby, um dos principais teóricos do apego, propôs que, no decorrer  da evolução do ser humano, a primeira função do apego teria sido a proteção contra os predadores que rodeavam seus acampamentos. Os predadores de hoje não são mais tigres ou lobos, porém imagine um bebê de nove meses ou um ano sorrindo e indo ao colo de qualquer estranho, na rua ou no supermercado! Ou saindo pelo portão afora e atravessando uma rua movimentada... Isso nos permite imaginar como o apego é vantajoso para a própria sobrevivência da criança. E também para o sossego da mãe e das educadoras!
No momento em que o bebê se distância da figura de apego, é importante que ele se sinta apoiado para explorar o ambiente. Esse apoio depende tanto de fatores externos, como a distância da mãe ou a presença de estranhos, quanto de seus próprios estados internos.
Se ambos estão tranqüilos, em um ambiente familiar, essa distância pode aumentar bastante, Porém, se a criança está cansada ou doente, ela em geral não quer saber de se afastar da mãe nem um minuto; se a mãe está mal, preocupada ou depressiva, a criança, ao perceber seu distanciamento, procura restabelecer a proximidade; se ficou um tempo separada da mãe por qualquer motivo (por trabalho, viagem ou adoecimento), a criança fica mais “agarrada”, como para se certificar de que não vai perdê-la novamente.
Ma não é Sá a mãe ou algum adulto familiar que tem esse poder de dar apoio aos impulsos exploratórios da criança. As crianças se soltam mais da educadora – que nessa situação desempenha o papel de figura de apego – quando o ambiente está estruturado com “cantos” de atividade – como canto da pintura, do teatro ou do pula-pula – nos quais elas se entretêm sozinhas ou com outras crianças. Isso, porém, só ocorre se o arranjo do ambiente permitir que a criança veja onde está a educadora... Se as paredes ou estantes que subdividem a sala formando os cantos forem altas, encobrindo a visão da educadora, a criançada se amontoa em volta dela...
À medida que a criança vai se desenvolvendo, ela vai adquirindo cada vez mais competências, como por exemplo, passa a ter uma noção de tempo e espaço, compreende melhor o que os outros lhe falam, pode então entender que uma mãe temporariamente ausente voltará em breve. Isso não significa que não existe mais apego. Ele continua a vida inteira, e novos vínculos são estabelecidos com outras pessoas, como amigos, companheiro, filhos... O que muda são as formas de manifestação: a busca de proximidade deixa de ser física; pode ser um pensar no outro, um telefonema, uma carta... mas o apego continua sempre existindo.
E como será que está o papo de clara, Margarida e Dirce lá na creche?
¾     É, outro dia fui lá no Centro de Saúde para dar vacina na Laís e foi a primeira vez que ela deu um trabalhão. Até agora quando eu levava, ela ficava quietinha, olhando tudo e sorrindo quando alguém falava com ela. A enfermeira e o pediatra podiam pegá-la, mexer nela, e ela não estava nem aí, era toda sorrisos. Agora, nem lhes conto. Ela armou um berreiro e não largou de mim.
¾     Ela está com oito meses agora, não é? – perguntou Clara. - Pois é, em torno dessa idade é que se intensificam as reações de apego, de agarramento à mãe. Pode ser uns dias ou mês a mais ou menos... Nenhuma criança é um formula de matemática.
Clara ainda disse que existem diferenças entre as crianças: algumas choram mais, outras ficam mais agarradas, outras preferem ficar mais isoladas e em outras neste momento mais agudo não é tão crítico. Existem as diferenças individuais. Não só na expressão do comportamento, mas também na idade em que aparece.
¾     Eu também já reparei, observando outras turmas, que isso também acontece quando as crianças mudam de turma, especialmente nos primeiros dias – porque ainda não conhecem bem a nova educadora.
Nesses períodos mais críticos é que tais comportamentos aparecem.
Foi observado os comportamentos das crianças, investigando com a família o que estava ocorrendo em casa, lembrando as reuniões de formação, que Clara pôde compreender o que estava acontecendo com Laís e, assim, ajudar a mãe a ficar menos ansiosa.



Texto extraído do Livro: ROSSETI-FERREIRA, Maria Clotilde (org). Fazeres na Educação Infantil. São Paulo: Cortez, 1998. Páginas 132-136.

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