Reconhecer a importância do vínculo afetivo do bebê
com a mãe e familiares
é fundamental no trabalho do educador.
M. Clotilde
Rossetti-Ferreira
Caroline F. Eltink
Margarida chega na creche.
Dirce também. Margarida está cansada. Dirce também. Lado a lado, vão em busca
dos filhos na turma do Saci Pererê. O caminho até o berçário é longo. Margarida
olha para Dirce. Dirce olha para Margarida. Margarida sorri. Mas sorri
amarelo...
¾
Credo, Dirce.
Parece que viu assombração.
¾
É que estou
preocupada, sabe?
¾
Ih, menina... que
foi, Dirce do céu?
¾
Faz três meses
que a Laís vem na creche... No começo parece que tudo ia bem. Só que agora ela
começou a chorar muito. Ai... ta tão difícil de deixar ela aqui.
¾
O meu Otávio ta
ótimo. Sabe, eu achei que ele fosse dar mais trabalho pra acostumar! Juro por
Deus.
¾
Mas o que eu acho
gozado é que a menina não era assim, e agora não quer me deixar sair de perto,
não quer saber de ficar com a Clara na creche...
¾
Vai ver tem
alguma coisa errada...
¾
Eu sei que ela
não tem nada, não ta doente! Ai Margarida... eu fico até pensando se não era
melhor ter deixado com a minha mãe.
¾
A Clara disse
alguma coisa? Assim... se fica chorando... Essas coisas... precisa ver direito,
hein, Dirce!
¾
Eu já falei com
ela, mas ela disse que não. Depois que eu vou embora, fica um tempinho
chorando, mas depois passa. E parece que passa mesmo, porque quando eu volto, a
Laís choraminga, mas não ta com cara de quem chorou o dia todo, não.
¾
Sabe que no
começo eu também ficava na dúvida? Fica com a minha mãe, fica na creche. Na
minha mãe, na creche. Ah, mas o Otávio ta tão bem aqui...
Da janela, Clara, a
educadora, acena.
¾
Oi! Chegaram mais
cedo. Entrem. Tô terminando de trocar o Otávio. Você quer terminar? – pergunta
Clara para Margarida.
Margarida termina a troca.
A educadora chama Dirce para um canto. Pergunta se aconteceu alguma coisa em
casa, se a filha ficou doente. Comenta que a menina deve estar sentindo falta
da mãe.
¾
Ela sempre aponta
pra porta. Como se quisesse ir embora.
¾
Ai... a minha
Laís...
Atenta, a educadora ouviu a
preocupação de Dirce. Logo veio Margarida e ficaram as três ali, no meio do
berçário, procurando entender o que acontecia com Laís. Antes era um bebê tão
tranqüilo, aceitava o colo de qualquer pessoa e agora “estranha”, chora quando
a mãe sai de perto e parece que não quer saber do consolo de ninguém!
Pois é, ela não regrediu,
como supõem algumas mães e educadoras: ao contrário, está se desenvolvendo. Ela
construiu uma relação, ou seja, agora
discrimina as pessoas com quem interage e por isso reage de maneira diferente
com pessoas mais conhecidas e desconhecidas.
Em psicologia, essa
primeira relação afetiva é chamada de apego.
É a primeira relação estável que
um ser humano estabelece, em geral com a
mãe. Mas, apesar de a mãe geralmente ser a primeira figura, o bebê tem
capacidade para estabelecer outras relações afetivas, ampliando sua rede de
relações ao longo de sua vida, como por exemplo, pais, avós, tios, babás,
educadores etc. É claro que o número de pessoas com quem a criança estabelece
apego pode variar conforme a cultura e, particularmente, conforme a forma de
organização e os costumes do grupo familiar.
Mas quanto tempo leva a
construção inicial dessa relação por parte da criança? Quando é possível dizer
que a criança está apegada a esta ou aquela pessoa? Varia de criança para a
criança, conforme o contexto em que vive e as interações que ela estabelece com
a mãe e outros familiares e conhecidos. De maneira geral, em torno dos seis
meses de idade, e mais claramente depois de oito meses, já se notam sinais
claros de que a criança está apegada;
mesmo antes de engatinhar, ela se orienta preferencialmente para a mãe ou outra
figura de apego, sorri e se comunica mais com ela, busca sua proximidade, é
para ela que levanta os bracinhos... No seu colo ela sossega, mesmo quando está
desconfortável ou doente; se uma pessoa estranha se aproxima, ela se refugia “nas
saias da mãe” e, desse “porto seguro”, olha de “rabo de olho” para o estranho
ou para a situação desconhecida. Ela lhe serve de apoio para explorar o mundo.
E em sua ausência mostra se menos animada, mais quietinha e “bem comportada”.
Mais por medo do que por bom comportamento!
Bowlby, um dos principais
teóricos do apego, propôs que, no decorrer
da evolução do ser humano, a primeira função do apego teria sido a
proteção contra os predadores que rodeavam seus acampamentos. Os predadores de
hoje não são mais tigres ou lobos, porém imagine um bebê de nove meses ou um
ano sorrindo e indo ao colo de qualquer estranho, na rua ou no supermercado! Ou
saindo pelo portão afora e atravessando uma rua movimentada... Isso nos permite
imaginar como o apego é vantajoso para a própria sobrevivência da criança. E
também para o sossego da mãe e das educadoras!
No momento em que o bebê se
distância da figura de apego, é importante que ele se sinta apoiado para
explorar o ambiente. Esse apoio depende tanto de fatores externos, como a
distância da mãe ou a presença de estranhos, quanto de seus próprios estados
internos.
Se ambos estão tranqüilos,
em um ambiente familiar, essa distância pode aumentar bastante, Porém, se a
criança está cansada ou doente, ela em geral não quer saber de se afastar da
mãe nem um minuto; se a mãe está mal, preocupada ou depressiva, a criança, ao
perceber seu distanciamento, procura restabelecer a proximidade; se ficou um
tempo separada da mãe por qualquer motivo (por trabalho, viagem ou
adoecimento), a criança fica mais “agarrada”, como para se certificar de que
não vai perdê-la novamente.
Ma não é Sá a mãe ou algum
adulto familiar que tem esse poder de dar apoio aos impulsos exploratórios da
criança. As crianças se soltam mais da educadora – que nessa situação
desempenha o papel de figura de apego – quando o ambiente está estruturado com “cantos”
de atividade – como canto da pintura, do teatro ou do pula-pula – nos quais
elas se entretêm sozinhas ou com outras crianças. Isso, porém, só ocorre se o
arranjo do ambiente permitir que a criança veja onde está a educadora... Se as
paredes ou estantes que subdividem a sala formando os cantos forem altas,
encobrindo a visão da educadora, a criançada se amontoa em volta dela...
À medida que a criança vai
se desenvolvendo, ela vai adquirindo cada vez mais competências, como por
exemplo, passa a ter uma noção de tempo e espaço, compreende melhor o que os
outros lhe falam, pode então entender que uma mãe temporariamente ausente
voltará em breve. Isso não significa que não existe mais apego. Ele continua a
vida inteira, e novos vínculos são estabelecidos com outras pessoas, como
amigos, companheiro, filhos... O que muda são as formas de manifestação: a
busca de proximidade deixa de ser física; pode ser um pensar no outro, um
telefonema, uma carta... mas o apego continua sempre existindo.
E como será que está o papo
de clara, Margarida e Dirce lá na creche?
¾
É, outro dia fui
lá no Centro de Saúde para dar vacina na Laís e foi a primeira vez que ela deu
um trabalhão. Até agora quando eu levava, ela ficava quietinha, olhando tudo e
sorrindo quando alguém falava com ela. A enfermeira e o pediatra podiam
pegá-la, mexer nela, e ela não estava nem aí, era toda sorrisos. Agora, nem
lhes conto. Ela armou um berreiro e não largou de mim.
¾
Ela está com oito
meses agora, não é? – perguntou Clara. - Pois é, em torno dessa idade é que se
intensificam as reações de apego, de agarramento à mãe. Pode ser uns dias ou
mês a mais ou menos... Nenhuma criança é um formula de matemática.
Clara ainda disse que
existem diferenças entre as crianças: algumas choram mais, outras ficam mais
agarradas, outras preferem ficar mais isoladas e em outras neste momento mais
agudo não é tão crítico. Existem as diferenças individuais. Não só na expressão
do comportamento, mas também na idade em que aparece.
¾
Eu também já
reparei, observando outras turmas, que isso também acontece quando as crianças
mudam de turma, especialmente nos primeiros dias – porque ainda não conhecem
bem a nova educadora.
Nesses períodos mais
críticos é que tais comportamentos aparecem.
Foi observado os
comportamentos das crianças, investigando com a família o que estava ocorrendo
em casa, lembrando as reuniões de formação, que Clara pôde compreender o que
estava acontecendo com Laís e, assim, ajudar a mãe a ficar menos ansiosa.
Texto extraído do
Livro: ROSSETI-FERREIRA, Maria Clotilde (org). Fazeres na Educação Infantil.
São Paulo: Cortez, 1998. Páginas 132-136.
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